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A sociedade moderna caminha no sentido de
valorização da vitória, da ascensão, do mais
forte e mais hábil. No esporte, essa referência ganha força
extra, uma vez que o objetivo maior do atleta é a vitória.
Daí, associar o esportista profissional ao herói, aquele
realizador de feitos incomuns, representante de grande parte de tudo o
que se deseja alcançar, é um pequeno salto. Este é
o ponto de partida do livro O Atleta e o Mito do Herói - o imaginário
esportivo contemporâneo, de Katia Rubio (Editora Casa do Psicólogo).
A autora passeia pela história, buscando
os conceitos sobre o significado do esporte, do atleta e do herói
nas diferentes épocas, desde as raízes de nossa sociedade
dita civilizada até os tempos pós-modernos de Copa do Mundo
e Olimpíadas. Enquanto viaja em retrospectiva entre passado e presente,
utilizando ícones do substrato de cultura esportiva, como os jogos
gregos e as olimpíadas modernas; e de cultura mitológica,
como os heróis da mitologia e os heróis dos noticiários
desportivos de TV, Katia Rubio avalia o que se mantém e o que se
perdeu na relação entre esporte o senso comum de heroísmo.
O novidade apresentada pela autora está
na inserção de novos paradigmas da sociedade moderna nessa
relação esportista-herói. Os meios de comunicação,
por exemplo, aparecem em alguns depoimentos de atletas analisados pela
autora como uma "força titânica", capaz de provocar
sensações de impotência nos atletas, já que
eles são julgados e classificados o tempo todo pela mídia.
Mas ao mesmo tempo esses meios de comunicação são
parte fundamental da estruturação do mito do herói
na sociedade moderna, assim como indicadores do sucesso na carreira. Se
assume às vezes o caráter de força maligna, a mídia
é um dos inimigos a ser enfrentado e conquistado pelo atleta-herói
moderno.
Mas não pense ser este um livro de
leitura simples e rápida, apesar do tema envolvente. Embora traga
um texto recheado de apetitosas avaliações psicológicas
e curiosidades como a origem inglesa e burguesa do futebol trazido ao
Brasil, ele é fruto da tese de doutorado da autora. Ela utiliza
um instrumental invulgar como referencial teórico (autores como
Gilbert Durand e Joseph Campbell) para analisar seu principal objeto de
estudo: o imaginário esportivo da atualidade.
Utilizando extensos relatos em forma de histórias
de vida dos atletas, analisando-os de forma individual, ela indica pontos
em comum entre todos: a vivência do mito do herói. E o que
vem a ser esse mito ? É um percurso que se inicia na escolha e
dedicação à modalidade, seguido pela conquista de
posições em times e seleções e a retirada
desse mundo e início de uma atividade nova, associada ou não
ao esporte, como um renascimento.
Seu livro introduz o leitor em uma análise
dos conceitos de moderno, modernidade e pós-modernidade para penetrar
no território, não do concreto e linear (do positivismo)
mas no território do abstrato e circular (do mítico), onde
será compreendido esse imaginário. A partir daí traz
discussões sobre os conceitos de real, realidade, imaginário,
simbólico e, um dos principais, arquétipo, entendidos como
estruturas individuais e sociais, até chegar ao mito do herói
e à sua face ligada ao esporte.
Mestre em Educação Física
pela USP e ex-coordenadora da Comissão de Esporte do Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo, Katia Rubio escolheu muito bem seus
referenciais. O mito do herói presta-se generosamente a uma avaliação
baseada em arquétipos, pois é o mais comum e mais antigo
do mundo, existindo nas mitologias grega, romana, do extremo oriente,
dos povos das américas, na idade média, em tribos contemporâneas
e outras. Em todas elas há estruturas semelhantes. A razão
da existência do herói é a luta. Assim como a do esportista
é competir.
Os heróis gregos e alguns deuses eram
celebrados com jogos, disputas atléticas, raízes dos nossos
Jogos Olímpicos. Hoje, o esporte é um dos principais fenômenos
culturais, comunicando saúde e integração mente-corpo,
chamando como nunca a atenção constante da mídia,
da medicina e da psicologia.
A mídia alterou e influiu no desenvolvimento
dessa presença do esporte na nossa vida cotidiana, tornando-o uma
carreira profissional que une desempenho e dinheiro, onde se somam elementos
como status e fama. Essa faceta do esporte não está muito
longe do sentido que os gregos davam-lhe. Porém, o leitor verá,
perdeu-se muito de seu sentido simbólico de aventura e de superação
do individualismo.
Resenha de Tatiana Maria Sanchez, psicóloga
do Laboratório de Estudos da Família, Relações
de Gênero e Sexualidade (USP)
Livro:
"O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo
contemporâneo"
Autora: Katia Rubio
Editora: Casa do Psicólogo
225 páginas
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